Quando uma pessoa pensa que vai finalmente sossegar, aparece
outra pessoa para nos desafiar. Uma (SV) quer ir a Fátima a pé, a outra (eu)
sugere ir pelos caminhos mais rurais. Uma apresenta uma proposta, a outra
outra. As duas escolhem a melhor opção e marcam para dali a uns dias. Uma
estuda o assunto, a outra não tem tempo. Uma convida mais um elemento (DS), a
outra concorda. Uma tem tudo a jeito, a outra na véspera tem um imprevisto que
pode inviabilizar os planos. Uma espera que a outra resolva. E a outra resolve.
O terceiro elemento confirma e no sábado de manhã encontramo-nos à 6h para
fazer o “Caminho do Tejo” Santarém-Fátima.
Seguimos num passo descontraído e em boa conversa rumo à
ruralidade. Francamente otimistas e satisfeitos íamos apreciando a paisagem e
chamando a atenção para os pormenores. Este percurso coincide também com um dos
Caminhos de Santiago o que de certa forma lhe confere esta mística de irmos para Fátima e sentirmos que podíamos estar a Caminho de Santiago de
Compostela. Aliás, é já um interesse que uma e outra descobriram que têm em
comum… Mas desta etapa que cumprimos tirámos ensinamentos que nos permitem ser
mais realistas. O Caminho estava muito bem sinalizado, diria que é quase
impossível alguém perder-se. Mas nós distraímo-nos com a conversa por mais que
uma vez, mas na falta dos tantos elementos pintados nos postes de electricidade,
no tronco das árvores, nas pedras e outros não tardámos a dar pelo erro. Dá
vontade de agradecer a paciência de quem pintou tantas indicações, para além
dos marcos principais que se encontravam em cada encruzilhada para nos
orientar. De certa forma acabamos por nos sentir acompanhados de todo aquele
cuidado que zela para que não saíamos do Caminho. Ainda assim, saímos mas
regressamos por falta disso mesmo, de ir junto de quem cuida de nós. Por estradões
ou trilhos lá continuámos tranquilos até à hora do almoço onde fizemos um
pequeno desvio para nos reabastecermos de calorias e continuar. As conversas
foram muitas, umas mais introspectivas que outras, mas todas a dizerem muito de
nós e da nossa perspectiva da vida. O percurso, que nos manteve afastados da
civilização a maior parte do tempo, permitiu-nos uma tranquilidade de espirito
e de comunhão com a natureza que se reflectiu um pouco no ritmo calmo em que
seguimos. Atravessamos a Serra de Aire e Candeeiros encantados com a beleza dos
trilhos por entre os muros de pedras empilhadas e a magnitude da vista que
ficava para trás, depois descer a um covão e subir ao parque eólico já com
poucos minutos de sol. E se já havíamos passado por uns velhos moinhos muito
antes, estes gigantes de metal naquele vagaroso movimento perpétuo das hélices continuam
não só a conquistar o meu coração como o dos amigos que me acompanhavam. Mas por
aquela hora não havia tempo para contemplações que o sol se estava a querer pôr
muito antes do que estávamos à espera. Daqui para a frente os marcos do caminho
era tudo aquilo que conseguíamos vislumbrar na aproximação, para além da
silhueta da serra que descíamos. Na escuridão apuramos a audição e eu confesso
que tive medo ao mesmo tempo que acreditei que nada nos aconteceria. Houve silêncio
e devemos ter caminhado mais depressa que nunca. Assustamo-nos, rimo-nos, para
logo depois ficarmos calados e sérios. Eu ansiei por civilização, que as bolhas
dos pés estavam a cansar-me de dores. Queixei-me menos que o que tinha na vontade. Já nos estradões cortava a respiração
sempre que se aproximava um carro (muito poucos quase nenhum), respirava de alivio quando ele passava, e depois
ficava indignada porque não nos tinha perguntado se precisávamos de ajuda. Contradições tão confusas como a vez em que confundi um pirilampo com a aproximação ao longe de um veículo. Eu ansiava saber se faltava muito e fui descobrindo que sim que ainda
faltava. Mesmo que dos caminhos escuros ainda conseguíssemos escutar o som que
vinha da missa a decorrer em Fátima. Foram 2h30 na escuridão até entrar no santuário
praticamente deserto e tranquilo, como a maior parte do nosso caminho.
O DS foi o nosso anjo da guarda teimoso. Com uma paciência
para nós que só ele, mas também por isso é que o convidámos. Na sua calma
sempre a questionar qualquer aceleramento nosso, nada nos disse por termos
teimado em seguir pelo Caminho a poucas horas de luz de dia em vez de seguirmos
pelas estradas nacionais. Tomou bem conta de nós. Eu e a SV entendemo-nos muito
bem e tudo leva a querer que um dia nos fazemos à estrada, ou melhor, ao
Caminho novamente. Mais conscientes das nossas limitações e capacidades e com
mais dicas na lista “do que levar”.
Dos mal estimados 56km a que eu acrescentaria mais 10km em
17 horas de boa companhia, apesar do empeno nos pés, das dores das bolhas e do
andar de pato, foi uma experiencia muito boa, para a vida e para as boas
recordações. Obrigada aos dois!!